Arranhando a superfície do potencial solar do Brasil

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Numa entrevista com a pv magazine, o presidente da associação brasileira de energia solar ABSOLAR, Rodrigo Sauaia, analisa as possibilidades da tecnologia solar nos dois leilões de energia em que este ano tem o direito de participar. Mas não são apenas os leilões que mudam o cenário das renováveis do país. De acordo com Sauaia, de fato, existem 2 GW de projetos fotovoltaicos em desenvolvimento para os quais um PPA bilateral poderia ser assinado nos próximos anos, e algumas centenas de megawatts desses projetos já obtiveram um contrato desse tipo.

pv magazine: Sr. Sauaia, a fonte solar foi incluída no leilão A-6, após ter sido excluída deste tipo de leilão no ano passado.

Sauia: Estamos muito felizes pela inclusão da energia solar no leilão A-6. Nossa alegação era de que era claramente injusto que a energia solar fosse a única fonte de energia renovável proibida de participar. Nosso diálogo e negociação com o governo foi baseado em dois princípios simples. A isonomia foi a primeira, pois queríamos o mesmo tratamento que outras fontes. O segundo ponto, que também é muito importante, foi que a energia solar é hoje a segunda fonte mais competitiva do Brasil. Podemos ajudar a reduzir o preço médio de venda para os consumidores finais, tornando a eletricidade mais barata e aumentando a competitividade. Por estas razões, acreditamos que a energia solar também deve ser incluída em todos os leilões A-6.

A ABSOLAR informou que a inclusão no leilão A-6 foi necessária, já que volumes menores serão alocados no leilão A-4, que será realizado no final de junho e no qual a energia solar também participará. Por que esse leilão terá menos capacidade de contratação em comparação ao leilão A-4 do ano passado?

O governo atribui capacidade no leilão de acordo com uma lei que exige que contrate apenas uma quantidade de energia instalada que seja compatível com os volumes solicitados pelas empresas de distribuição. Elas prevêem sua demanda por anos futuros e compartilham essas informações confidenciais com o governo, que deve atender a essas solicitações. O governo não pode escolher diretamente o quanto deseja contratar de cada fonte de energia. O governo, por outro lado, está ciente de quanto a economia vai crescer, quanto o consumo de eletricidade e os consumidores vão crescer e, com base nas projeções do PIB e da economia, também está ciente de que a demanda por eletricidade crescerá. O problema é que os volumes que as distribuidoras estão compartilhando com o governo estão abaixo das expectativas do mesmo. Elas fazem projeções muito conservadoras. Se as distribuidoras pedirem mais energia do que realmente precisa, terão que pagar por essa eletricidade, e isso reduzirá sua receita. Se elas pedem menos energia do que o governo precisa, então o governo tem que lidar com o problema, e eles apenas repassam os custos.

O CEO da ABSOLAR, Rodrigo Sauaia (à esquerda) com os redatores de pv magazine, Emiliano Bellini e Pilar Sánchez Molina.

pv magazine

O leilão A-4 de 2018 terminou com mais de 800 MW de energia solar contratada, quanto será este ano?

Eu não sei exatamente quanto, mas poderia ser menos este ano. E o governo está preocupado, porque suas projeções mostram que precisamos contratar mais.

Então, esta é a razão pela qual o governo também incluiu a energia solar no leilão A-6?

Não, não acredito nisso. Tem mais a ver com outra preocupação. Os projetos selecionados no leilão A-4 serão entregues em quatro anos. Então, entre o ano quatro e o sexto ano você tem uma lacuna. Se não houver eletricidade suficiente, os preços podem subir. A solar tem a vantagem competitiva não apenas de preço barato, mas também de ser uma fonte de rápida implementação. Então, se o governo precisar de eletricidade daqui a alguns anos, nós podemos fazer isso. O governo pode convocar um leilão de emergência e lançar novos projetos de energia solar muito rapidamente. Mas isso não seria o melhor. A melhor maneira é um bom planejamento e permitir ao governo alguma flexibilidade e contratar não apenas o que as empresas de distribuição estão solicitando.

É muito difícil planejar projetos como os dos leilões A-6, já que devem começar a operar em seis anos? Fornecer um preço agora pode ser muito difícil.

Para ambos leilões, a lógica é praticamente a mesma. Você tem uma projeção para a redução de custos para tecnologia e uma projeção para o valor de troca entre dólar e real. Existem várias limitações que devem ser levadas em conta, mas também existem várias incertezas. Mas isso não é apenas para energia solar, mas também para energia eólica, biomassa e outras tecnologias.

Mas é mais provável que a energia solar reduza os custos mais do que qualquer outra tecnologia. Você acha que veremos preços mais baixos com o leilão A-6?

Isso geralmente acontece. Quanto mais longo for o prazo para um leilão, menor será o preço médio de venda. Mas também depende dos volumes alocados e do número de participantes. Para o leilão A-4, já havia 26 GW de projetos presentados. É a primeira vez que a energia solar supera o vento, o que é um marco importante para nós. E isso é apenas arranhar a superfície do potencial da energia solar no Brasil. O potencial técnico total dessa tecnologia no país é de milhares de GW.

Quanto aos preços do próximo leilão A-4, você espera uma ligeira queda em relação ao leilão do ano passado?

Eu não posso colocar essa projeção na mesa. Agora há um novo tipo de contrato, com o qual não temos problema. Existem alguns aspectos técnicos que devem ser abordados, mas a energia solar é a menos sazonal das energias renováveis. Estamos perto do equador e entre os meses de verão e inverno, a geração de energia solar é muito semelhante. É por isso que não nos preocupamos com a sazonalidade. Para hídrica, eólica e biomassa, no entanto, a variação pode ser enorme.

Quanta energia solar pode ser alocada em conjunto nos dois leilões deste ano?

Eu não sei o quanto vamos ver, mas eu sei o quanto nós recomendamos, que é 2 GW a cada ano. Acreditamos que a atual ambição do governo para a energia solar é excessivamente baixa, e isso porque o governo em seu planejamento para 2027 não levou em conta todas as reduções de preço que a energia solar teve nos últimos anos. Portanto, há espaço para melhorar o modelo matemático utilizado para avaliar como os megavatios de cada tecnologia devem ser incorporados para a expansão da matriz.

Os primeiros PPAs bilaterais para projetos solares de larga escala já foram anunciados no Brasil. Você pode fornecer uma ideia mais clara desse segmento de mercado?

Isso é algo novo no Brasil. Este ano, a ABSOLAR organizou um workshop sobre o assunto e reuniu 200 empresas, incluindo produtores de energia solar, investidores, desenvolvedores, empresas de EPC e grandes consumidores de energia. Temos visto um interesse crescente no mercado livre de eletricidade para a fonte solar depois que seus preços caíram como resultado dos leilões. O mercado livre de eletricidade representa hoje 30% de todo o mercado de energia elétrica no Brasil, e agora há um portfólio de projetos fotovoltaicos de 2 GW que já estão sendo negociados entre os proprietários das futuras usinas e os grandes consumidores, bem como com empresas comercializadoras de electricidade.

Quantos desses projetos já possuem um PPA assinado?

Existem centenas de megawatts para os quais os PPAs já foram assinados, com contratos de 10 a 15 anos. Existem grupos internacionais por trás desses projetos que podem complementar projetos de grande escala no mercado regulado, onde a vantagem é o PPA de longo prazo com o governo. É isso que os bancos querem, já que têm uma visão de quanto retorno terão por 20 anos. E isso ajuda a financiar o projeto. E talvez eles possam economizar parte do projeto para vender eletricidade no mercado livre a preços mais altos. Portanto, eles podem até melhorar o retorno dos investimentos. É uma combinação interessante que o setor eólico já implementou com sucesso no Brasil.

Quais são as projeções de longo prazo da ABSOLAR para a energia solar?

Não estamos fazendo previsões de longo prazo, porque ainda estamos modelando nossos parâmetros. Em particular, a geração distribuída é muito difícil de prever. Nós tivemos muito sucesso no ano passado em nossas previsões. Fizemos projeções para este ano que sabemos ser conservadoras. No entanto, projetamos um futuro muito brilhante para a energia solar no Brasil. No pior dos casos, será o que o governo está prevendo, o que significa 1 GW por ano. Mas estamos trabalhando para ter pelo menos o dobro. Não apenas do mercado regulado, mas também dos PPAs bilaterais e da geração distribuída. Também, é importante notar que, nas projeções do governo, os PPAs não foram incluídos.