Entrevista: a solar busca seu próprio caminho no Brasil, independentemente de política e economia

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pv magazine: Sr. Sauaia, a atual incerteza política e as próximas eleições estão condicionando o mercado solar brasileiro?

Rodrigo Sauaia: De jeito nenhum. O setor solar avança independentemente do ambiente político e econômico do Brasil e está à procura do seu próprio caminho. Isso não significa que o apoio político seja irrelevante, uma vez que na realidade ainda é muito importante para o crescimento do mercado. Mas o que vemos hoje é que os fatores básicos de crescimento estão se alinhando. Então, temos uma tecnologia competitiva que está disponível para a população, assim como um setor empresarial capaz de inovar e mais consumidores que desejam ter acesso a essa tecnologia. Assim, o mercado continua a crescer rapidamente, embora agora comece a ser um mercado de certa dimensão. Uma vez que você começa a crescer, por outro lado, torna-se difícil continuar crescendo.

Quais são as expectativas da ABSOLAR para este ano?

Começamos em 2018, atingindo o recorde histórico de 1 GW de capacidade fotovoltaica instalada, e esperamos chegar a 2 GW até o final deste ano. Além disso, já temos 3,7 GW de energia solar contratada pelo governo em leilões, enquanto a geração distribuída (DG), que está crescendo rapidamente, está atualmente excedendo nossas previsões iniciais.

O mercado está respondendo bem e o interesse dos cidadãos, apesar de algumas incertezas políticas, é forte e continua avançando. Por outro lado, também é importante dizer que a ABSOLAR tem feito um trabalho estratégico para envolver e motivar os líderes políticos de todas as partes, para incluir energia fotovoltaica em seus respectivos programas.

Parece que todos os candidatos nas atuais eleições presidenciais são todos favoráveis ​​à energia solar.

Muito mais do que favorável, eu diria. O apoio público e popular à energia solar é atualmente muito forte no Brasil. Os políticos agora estão entendendo e é por isso que eles incluem a energia solar em seus planos.

Ainda existem inimigos ocultos da energia solar no Brasil?

Sempre há resistência. Vemos que alguns segmentos tradicionais do setor de energia às vezes tentam resistir ao avanço da energia solar e percebem isso como uma ameaça. Mas eles estão vendo que a energia solar também está se tornando uma oportunidade para fontes convencionais bem estabelecidas. Agora eles podem investir em energia solar e criar seus próprios portfólios de usinas fotovoltaicas. Também é uma oportunidade para as empresas de distribuição que começam a incluir novos serviços e oportunidades de negócios. No entanto, nunca é uma batalha vencida e nunca devemos baixar nossa guarda.

A Petrobras e a AES fizeram seus primeiros investimentos em energia solar, enquanto a Cemig está realizando seus primeiros leilões de energia solar e eólica.

Vemos que não apenas as empresas tradicionais de petróleo e gás e os fornecedores de energia hidrelétrica caminham em direção à energia solar, mas também às empresas de distribuição, como eu disse antes. O mercado de energia solar está aberto a todos os atores do setor de energia e há espaço para todos.

A ANEEL tem um novo chefe, André Pepitone, que, segundo a imprensa, é contra os subsídios para energia solar e renováveis.

A solar ainda é uma pequena fonte de energia no Brasil, e sua participação em incentivos para energia é muito limitada. Existem outros incentivos para a eletricidade que são muito mais relevantes e que representam uma proporção maior do que os consumidores têm que pagar. Existem custos que estão relacionados a subsídios concedidos a populações de baixa renda, produtores rurais, pessoas que usam irrigação para agricultura. Mas também há subsídios para combustíveis fósseis, e seu valor é muito maior do que o que os consumidores pagam por incentivos para renováveis. Acima estão subsídios específicos para o carvão mineral.

Durante a abertura de nossa conferência aqui em São Paulo, recomendamos que a ANEEL e o Ministério de Minas e Energia (MME) mostrem claramente a composição desses subsídios nas contas de energia elétrica, e mostrem quanto disso é dado a cada fonte de eletricidade. Ao fazê-lo, a energia solar aparecerá como uma das fontes de energia menos suportadas no Brasil.

Há alguma boa notícia sobre a inclusão da energia solar em leilões futuros?

Estamos agora em uma transição política, e é por isso que ainda não temos uma ideia clara do que acontecerá com os leilões em 2019. Esperamos que o novo governo forneça essas informações o mais rápido possível após a sua criação.

Precisamos de sinais a longo prazo não apenas para a energia solar, mas para todo o setor elétrico. Recomendamos que o governo contrate pelo menos 2 GW de energia solar em leilões por ano e que a energia solar seja incluída em todos os leilões de eletricidade, porque tem todos os elementos fundamentais para participar, enquanto fornece eletricidade competitiva, barata e limpa. Não há razão para que a solar seja excluída dos leilões A-6. Não faz sentido deixar de fora apenas a energia solar, não há justificativa econômica e técnica para isso.

O que acontece com o segmento de PPAs privados? Em uma entrevista à pv magazine do ano passado, você disse que eles não eram viáveis ​​ainda. Qual a sua posição agora?

Agora vemos que as coisas estão mudando e de uma maneira positiva. Agora há um grande movimento com projetos de larga escala que são avaliados ou desenvolvidos para participar do mercado de PPA no Brasil. Existem atualmente nove iniciativas solares desse tipo. Estamos falando de PPAs com duração entre 10 e 20 anos.

Poderiam os PPAs privados representarem uma alternativa aos leilões de energia solar em grande escala?

Ainda não podemos avaliar se esses PPAs serão uma exceção ou uma regra, mas o que está acontecendo é muito interessante. Eles podem ser importantes para impulsionar o crescimento, embora eu exclua que os PPAs possam ser tão consistentes e previsíveis quanto os leilões. Mas no curto e médio prazo, eles podem oferecer uma contribuição significativa para o mercado fotovoltaico brasileiro.

Em termos de geração distribuída, que agora está experimentando um crescimento impressionante, ela poderia ser afetada por novas mudanças regulatórias?

O marco regulatório mostrou que as atuais regras de medição líquida funcionam bem, e essa é uma das razões pelas quais a ABSOLAR recomenda que elas sejam mantidas. Além disso, todos os estados brasileiros decidiram introduzir a isenção do pagamento do ICMS, o imposto estadual sobre vendas do estado brasileiro, para geração distribuída de até 1 MW. Mas esse incentivo tem limitações e precisa ser melhorado.

Estamos agora propondo a estruturação de um novo esquema para isso, a fim de permitir que os governos estaduais melhorem essa isenção, independentemente do que outros estados brasileiros fizerem. As novas regras sobre esta isenção também podem resolver as incertezas atuais em torno do incentivo, uma vez que as regras atualmente em vigor podem ser mal interpretadas.