“O Brasil oferece um longo e positivo caminho para a ampliação da energia solar”

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Em uma conversa com pv magazine, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Luiz Augusto Barroso, explica como o novo mecanismo dos leilões foi concebido para garantir uma abordagem mais orientada a mercado e aumentar a concorrência. Barroso também destacou as perspectivas positivas para energia solar no próximo A-4, e que se está considerando a possibilidade de inclusão de energia solar no leilão A-6 (agendado para o segundo semestre).

 

pv magazine: Sr. Barrroso, em 4 de abril, o governo realizará o leilão de energia A-4 que incluirá projetos fotovoltaicos. Você pode estimar a quantidade de capacidade de energia solar que será contratada no leilão?

Barroso: Infelizmente, não posso fornecer dados específicos sobre isso. A demanda é fornecida pelas empresas de distribuição e é confidencial. O que posso dizer é que atribuímos a cada tecnologia uma parcela da demanda total usando uma metodologia de alocação que segue um procedimento técnico. No momento, estamos aprimorando essa metodologia, de modo que ela seja compatível com a matriz elétrica que teremos no futuro de acordo com os estudos de planejamento da EPE.

Em comparação com o último leilão A-4, realizado em dezembro, e em que foram contratados cerca de 574 MW de energia fotovoltaica, veremos maiores volumes de energia solar?

Isso também é difícil de prever porque depende da demanda total, da competitividade relativa de cada fonte de energia e do que se espera que seja a contribuição de cada uma delas para a expansão do sistema. Posso dizer que, de modo geral, não será um leilão com grandes volumes de energia contratada, mas, ainda assim,  é provável que seja um pouco maior do que o volume contratado em dezembro passado. Além disso, acho que será um leilão com uma concorrência bastante acirrada.

Você acha que isto trará preços mais baixos?

No caso da energia solar fotovoltaica, o preço-teto do leilão A-4 de abril foi estabelecido em R$ 312 (US$96)/MWh. Este preço-teto é muito atraente para os investidores, o que gerou grandes expectativas entre os participantes do leilão e isso garantirá a forte concorrência. Um ponto importante que temos observado é que tem havido um número maior de empresas de primeira linha que competem em leilões que incluem energia solar e a qualidade dos licitantes está melhorando significativamente. No entanto, não há demanda para todos e apenas uma fração dos 20 GW dos projetos solares cadastrados no leilão A-4 será contratada. Penso que é muito provável que esses projetos venderão sua energia a um preço próximo ou mesmo inferior ao preço médio do leilão A-4 de dezembro, que foi de US $ 44 / MWh.

Terão mais chances os projetos solares localizados em áreas com menos restrições de rede?

O leilão A-4 tem um mecanismo regulatório inovador que visa mitigar o risco de restrições de capacidade de transmissão para projetos. Antes do leilão de energia, há uma fase de pré-alocação em que os projetos competem pelo direito de se conectar em áreas onde a capacidade de transmissão está disponível de acordo com os estudos de planejamento realizados pela EPE e ONS, o Operador Nacional do Sistema. Resumindo, não vamos alocar mais energia do que a rede pode suportar. O Brasil ainda tem que ampliar seu sistema de transmissão, e não podemos alocar mais do que é necessário. Sem dúvida, isso reduzirá os riscos para os desenvolvedores e para o sistema como um todo.

No ano passado, a energia solar foi excluída do leilão A-6, você acha que este ano existe a possibilidade de que seja incluído?

Esta é uma opção que estamos discutindo, mas ainda nada foi decidido. Em março, iremos publicar as diretrizes do leilão, e então o anúncio final será feito. No entanto, este leilão contratará energia para entrega apenas em 2024, e esse prazo tão dilatado não é favorável para uma tecnologia como a energia fotovoltaica, que vê os custos reduzidos drasticamente a cada ano. Com uma curva de redução tão significativa, pode ser mais seguro, para o sistema e para o investidor, contratar energia solar para 2024 em 2020 ou 2021, por exemplo. Eu entendo que, para a indústria solar, é melhor garantir hoje a evolução dos volumes futuros a serem contratados e estamos pensando em soluções. O fato de que a energia solar apresentou preços muito competitivos no ano passado é algo que não pode ser ignorado e isso deve ser levado em consideração nas nossas análises. O leilão A-4, que conectará seus projetos à rede em 2022, oferece um melhor quadro de planejamento para desenvolvedores de projetos solares, mas a opção de 2024 não foi descartada.

Você acha que o atual mecanismo dos leilões no Brasil está bem projetado para energia solar e renovável?

O Brasil foi pioneiro mundial no uso dos leilões para contratar energia renovável e temos muito orgulho disso. À medida que as tecnologias se tornam cada vez mais maduras, também devemos adaptar os mecanismos dos leilões. Por exemplo, hoje os contratos oferecidos às energias renováveis ​​possuem um mecanismo de contratação que permite que a energia seja entregue e liquidada anualmente dentro de uma faixa de tolerância. Estamos considerando mudá-lo através da aplicação de contratos forward padrão para energia eólica e solar no próximo leilão A-6, no qual a geração toma todo o risco de produção. Estes são conhecidos como contratos por quantidade. Importante dizer que essa modalidade de contratação já é vigente para outras tecnologias, como no caso dos pequenos geradores hidrelétricos. Assim, este é um mecanismo para ajudar a nivelar as regras de concorrência entre as diferentes fontes de geração. Também decidimos, ao invés dos Leilões de Reserva, em que a capacidade total atribuída é decidida pelo governo, colocar mais ênfase nos leilões A-4 e A-6, nos quais os volumes de capacidade são decididos pelas distribuidoras. Portanto, decidimos ter uma abordagem mais orientada a mercado, uma vez que escolhemos não interferir nos resultados do volume a ser contratado no leilão e deixar o mercado evoluir seguindo uma abordagem mais fundamentalista, permitindo assim que os agentes saibam a lógica da determinação dos volumes a serem contratados. O leilão de dezembro passado, que incluiu a energia solar sob este novo conceito, produziu um preço médio para a fotovoltaica de US$ 44 / MWh. Esta foi uma mensagem muito clara para o mercado.

Você acha que a tendência de crescimento atual e os leilões planejados permitirão que o Brasil cumpra seu plano de redução de emissões de CO2?

A contribuição nacionalmente determinada (Nationally Determined Contribution – NDC) do Brasil é reduzir, em relação aos níveis de 2005, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% em 2025 e em 43% em 2030. Em primeiro lugar, é importante enfatizar que a NDC estabelece um objetivo para toda a economia, ou seja, um setor pode compensar o outro de modo a se alcançar o objetivo total. Nesse sentido, o NDC do Brasil foi estabelecido com base em estudos prospectivos realizados pelos principais setores e, no caso do setor elétrico, as respectivas emissões foram calculadas levando-se em conta uma grande proporção de geração renovável e hidrelétrica (23% e 66%, respectivamente) na matriz elétrica até 2030. Este objetivo não é um valor absoluto em MW, mas sim uma porcentagem da demanda. Portanto, se, por exemplo, a participação de eficiência energética (que também faz parte do cálculo que apoiou a proposta de contribuição associada à produção e uso da energia) aumentar e, com isso, reduzir a demanda, esse objetivo pode ser alcançado até mesmo antes.

De qualquer forma, independentemente da sua participação na matriz total, a expansão do Brasil ocorrerá através de fontes renováveis, conforme indicado no PDE 2026 elaborado pela EPE em conjunto com o MME. As energias renováveis ​​são competitivas em termos de preço e têm muitos outros atributos interessantes para o planejamento e operação do sistema que são importantes. É bem possível que sua participação no mix elétrico exceda 23%.

O Brasil é a maior economia da América Latina. Apesar de todos os positivos desenvolvimentos recentes, você não acha que o pais poderia ter incentivado mais a tecnologia da energia solar?

A economia do país está se recuperando, e é muito provável que a demanda por energia aumente nos próximos anos, enquanto os custos da tecnologia fotovoltaica têm uma tendência decrescente. A energia solar começou a se desenvolver no Brasil exatamente durante a crise econômica e, claro, enfrentou o desafio de menores volumes de demanda. Mas a escala do Brasil é relevante e com a recuperação da economia eu acredito que a energia solar será um dos pilares do futuro sistema energético do Brasil, juntamente com as outras energias renováveis ​​não-hidrelétricas.  A energia solar também possui um mercado muito importante que, para mim, também é muito interessante, a geração distribuída. A geração distribuída desempenha um papel significativo no Brasil, a regulação está bem desenvolvida e os preços da energia solar estão, em geral, abaixo das tarifas de distribuição. O principal desafio é o financiamento e o modelo de negócios. A geração distribuída é menos acessível a outras tecnologias e a energia solar pode fazer um ótimo trabalho aqui. Além disso, porque esse nicho de mercado depende menos do crescimento econômico, uma vez que a competitividade tarifária é o que impulsiona o investimento, ela é menos afetada por anos econômicos difíceis. Se houver uma redução significativa no custo das tecnologias de armazenamento como esperado, os projetos de armazenamento solar podem ser uma opção extremamente atraente para o sistema elétrico no futuro por parte do consumidor. Resumindo, ainda há um longo e positivo caminho que resultará na ampliação mais significativa da energia solar no Brasil.